Diz o ditado: “quando um não quer, dois não dançam”, será?

Em dois recentes acórdãos dos Tribunais superiores, deparamo-nos com duas soluções diferentes para o mesmo problema.

Sumariamente, nos dois casos, além do mais, coloca-se a questão de saber se uma pessoa que seja casada e pretenda divorciar-se tem ou não de estar separada de facto há mais de um ano antes de dar entrada da ação com esse fundamento ou se, por sua vez, o referido prazo de um ano é contabilizado na data da sentença e, assim, acresce-lhe o prazo (muitas vezes longo) em que o processo esteve pendente no Tribunal.

Esta questão restringe-se ao fundamento de divórcio previsto no artigo 1781.º do Código Civil – “Ruptura do casamento”, que na sua aliena a) determina que: “[É] fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: a) A separação de facto por um ano consecutivo;”

Assim, segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11.07.2024, processo n.º 464/20.6T8AMD.L1-2, entende-se que “urge considerar-se verificado à data da dedução do pedido” o prazo de um ano previsto na norma, i.e., a separação de facto por um ano consecutivo.

Já na perspetiva do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 06.06.2024, processo n.º 7536/22.0T8SNT.E1, aquele “prazo de um ano inclui-se o lapso de tempo decorrido até ao final da audiência de discussão e julgamento”, i.e., pode o prazo de um ano só se completar após a entrada da ação.

Como sustentação das suas decisões, cada um dos Tribunais superiores cita outras decisões igualmente de Tribunais superiores, o que demonstra a divergência que segue pelos Tribunais do país interior.

No caso da decisão que chegou ao Tribunal da Relação de Lisboa, o Tribunal de 1.º instância julgou procedente a ação de divórcio, mesmo não tendo decorrido um ano desde a separação de facto.

No caso da decisão que chegou ao Tribunal da Relação de Évora, o Tribunal de 1.º instância julgou improcedente a ação de divórcio, uma vez que “(…) não se demonstrou o fundamento de divórcio alegado pela Autora, assente na separação de facto do casal, nem se demonstraram outros factos que permitissem concluir pela rutura definitiva do casamento.”.

O nosso entendimento segue a corrente jurisprudencial partilhada pelo Tribunal da Relação de Évora, que, além do mais, se baseia no princípio da atualidade da decisão, consagrado no artigo 611.º, n.º 1, do CPC, que determina que à data da produção de prova se devem atender a todos os factos para que “(…) a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.”.

Ainda assim, qualquer uma das decisões, depois de lidas com rigor, revelam a necessidade de a Lei ser alterada.

Se é certo que a par daquele fundamento do divórcio (separação de facto por um ano consecutivo), existe a cláusula geral da aliena d) do mesmo artigo do Código Civil – “Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.” -, a verdade é que mesmo esta nem sempre permite ao Tribunais decretar o divórcio.

A demonstração de que este artigo do Código Civil foi esquecido pelo Legislador de 1977 e de 1998 (data das suas duas revisões após a versão inicial de 1966), é que continua a falar de “culpa”, quando esta deixou de ser (no resto do Código) critério seja para o que for.

Por sua vez, o mesmo Legislador define Direito Potestativo como “(…) aquele que se exerce por vontade exclusiva, provocando efeitos na esfera jurídica de outrem, independentemente da vontade do outro. Traduz-se assim no poder de alterar, unilateralmente, através de uma manifestação de vontade, a ordem jurídica.”., vide Lexionário do Diário da Républica.

Indubitavelmente, quer na jurisprudência ou na doutrina, o direito a não estar casado com alguém é um direito potestativo. Assim, é contraditório exigir-se a demonstração de “(…) factos que (…) mostrem a ruptura definitiva do casamento”, quando, por outro lado, se diz que o direito a requerer o divórcio “se exerce por vontade exclusiva, provocando efeitos na esfera jurídica de outrem, independentemente da vontade do outro.”.

Mais incompreensivo se torna quando o casamento pressupõe, nos termos do mesmo Código Civil (artigos 1672.º e 1673.º), entre outros, o dever de coabitação, comunhão de leito, fidelidade, cooperação, etc…

Assim, aquilo que o Legislador está a impor é que se violem todos estes direitos para que, assim, se possa depois demonstrar que ficam demonstrados “factos que (…) mostrem a ruptura definitiva do casamento”.

Numa altura em que a sociedade – a propósito de situações de outra natureza -, defende que “não é não”, era altura de olhar para uma Lei que obriga duas pessoas a estarem juntas, manter coabitação, comunhão de leito, fidelidade, cooperação, etc., mesmo quando dizem “não” e em casos onde, não raras vezes, há um contexto de violência associado, fazendo protelar os processos por vários anos até à decisão definitiva ( e apaziguadora) do final de um ciclo da vida.

Carlos Cartageno, Advogado

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