Quando prescreve o crime de violência doméstica?

A violência doméstica é um problema grave que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, independentemente de idade, género, orientação sexual, status socioeconómico ou cultural. Envolve violência física, emocional, psicológica, sexual e financeira, perpetrada contra um(a) parceiro(a), ex-parceiro(a), membro da família ou pessoa particularmente indefesa [com quem se coabite], nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica.

As consequências da violência doméstica podem ser devastadoras e de longo prazo, afetando não apenas as vítimas diretamente envolvidas, mas também as suas famílias e até mesmo futuras gerações. Para a vítima deste crime podem resultar traumas físicos e psicológicos graves, tais como a perda de autoestima, problemas de saúde mental, dificuldades financeiras e até morte.

A violência doméstica muitas vezes ocorre num determinado momento, num determinado ciclo ou durante uma vida, onde o comportamento abusivo e/ou violento se verifica de forma isolada ou reiterada, sendo, normalmente, suscetível de piorar ao longo do tempo.

Sem prejuízo de outras posições dogmáticas, em Portugal, entende-se, de forma pacífica, que o crime de violência doméstica, quando praticado de forma reiterada, tem sido doutrinalmente definido como um “crime habitual”.

Assim, este tipo de crime pode concretizar-se (e concretiza-se muitas vezes), através de um comportamento reiterado do(a) agressor(a) e prolongado no tempo, sendo que a prática desses sucessivos atos radica numa única resolução criminosa, o que o faz consubstanciar-se num único crime.

Esta reiteração e resolução criminosa única advêm de um estado de agressão permanente, não no sentido de que as condutas violentas sejam constantes, mas no sentido de que se traduzam no comportamento padrão do(a) agressor(a), através do qual se permita concluir por uma relação de sobreposição deste(a) sobre a vítima, da qual resulta um tratamento incompatível com a dignidade desta.

Em Portugal, à luz do Código Penal, o crime de violência doméstica [artigo 152.º] prescreve ao final de 10 anos [artigo 118.º, n.º 1, alínea b)], contados desde o dia em que o ato criminoso se tiver consumado [artigo 119.º, n.º 1].

Assim, se J., em 01.01.2016, praticou factos, qualificados como crime de violência doméstica, contra B., atenta a natureza pública do crime [não depende de queixa e não está sujeito ao prazo de caducidade de 6 meses do artigo 115.º], a responsabilidade criminal do(a) agressor(a) prescreverá a 31.12.2025.

No entanto, para os casos em que o crime se verifica de forma reiterada, enquanto crime habitual, o prazo de prescrição só começa a contar desde o dia da prática do último ato [artigo 118.º, n.º 1, alínea b e artigo 119.º, n.º 2, b].

Assim, se J., logo após o casamento com B., ocorrido em 01.01.2000, manteve um comportamento constante de lhe dirigir palavras e expressões injuriosas e depreciativas, seguindo-se a prática, ainda que espaçada no tempo, de outros comportamentos daquela ou outra natureza, qualificados como crime de violência doméstica, no anos de 2003, 2005, 2006, 2010, 2013, 2014 e, por fim, em 01.01.2016 [o ultimo ato], a responsabilidade criminal do(a) agressor(a) prescreverá igualmente em 31.12.2025, mas podendo este ser responsabilizado por todos os factos praticados desde que a sua conduta criminosa se iniciou.

Por fim, duas últimas notas:

1 – A contagem do prazo de prescrição do crime [deste e de outros] pode ser suspensa ou interrompida [artigos 120.º e 121.º do Código Penal], o que terá a virtualidade de estender a possibilidade de perseguir criminalmente o criminoso. Pelo que, não nos ocupando agora deste temática, deixamos apenas esta nota.

2 – A tipificação legal do crime de violência doméstica só existe desde a entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 04 de setembro, que fez operar a 23.ª alteração ao Código Penal. No entanto, estava já previsto o crime de maus-tratos que enquadrava, em parte, os mesmos factos ilícitos. Esta circunstância pode colocar questões no que respeita à aplicação da Lei no tempo, sendo certo que para a maioria da doutrina e jurisprudência, o que relevará, neste caso dos crimes habituais onde se enquadra a violência doméstica, é o regime legal em vigor à data da consumação do último ato criminoso.

Referências de jurisprudência consultada (entre outras):

Tribunais da Relação de PortoCoimbra e Évora

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